26 maio 2006

Em defesa da cachaça

Antes que pensem “esse cara é um alcoólatra”, explico que, antes de mais nada, sou um nacionalista e bebo apenas socialmente. A minha “defesa”, na verdade, é apenas uma constatação da tão arraigada mentalidade pseudo-européia que assola nossas classes sociais. E isso, desde a época do Brasil Colônia.

Na época de colônia e império vestiam-se no Brasil pesados casacos de lã inglesa e cartolas, acompanhados de bengalas. Claro que não podemos deixar de pesar o fator econômico dominante na época, que forçava os nossos comerciantes de tecidos e aviamentos a engolir as fazendas industrializadas na nação inglesa. Essas vestimentas nada tinham a ver com o tipo de clima brasileiro e nem com o tipo físico do cidadão da terra do pau-brasil, como bem ressalta Jô Soares na sua novela “O Xangô de Baker Street”.

Fora as vestimentas, o brasileiro sempre tentou se aculturar através de elementos que não estavam na sua raiz. A maioria sempre negou e maldisse o samba, o maxixe, a tapioca, a pamonha, o torresmo, a canoa, o guaraná e, sobretudo, a cachaça. Sim, a cachaça. Tratada quase como subproduto (primeiro produto reciclável?) da cana-de-açúcar, a cachaça sempre foi vista como bebida de nego, coisa de bugre, prazer de pobre.

Por quê? Eu não consigo responder a esta indagação, talvez algum historiador possa contribuir comigo. Perdemos e continuamos ainda a perder por não valorizar uma bebida feita exclusivamente com matéria-prima nacional e com know-how 100% nosso. Enquanto outros países valorizavam seus artigos nacionais e faziam deles marcas de divulgação cultural e produto número um na pauta de exportação, o brasileiro renegou e relegou a cachaça a um plano de coisas suja e vulgar.

A França, a Rússia, a Bélgica, a Escócia, o Japão, o Estados Unidos e os países árabes souberam valorizar suas bebidas típicas, criando um nível de excelência de forma a torná-las mundialmente conhecidas e apreciadas. Quem não sabe que um excelente champagne francês é caro? Por que há tanta adoração em torno das famosas vodkas originalmente russas? O monges belgas (trapiches) não são conhecidos por produzir algumas das melhores cervejas artesanais (e mesmo algumas em escala industrial)? E o famoso “puro malte escocês”, não é apreciado em todo o mundo? É possível ir pelo menos uma vez a um típico restaurante japonês sem provar o sakê? Qual conhecedor de bebidas não sabe da excelência dos melhores whiskies americanos? E quem vai a uma festa típicamente árabe sem morrer de curiosidade de conhecer o bom e fortíssimo arak?

A cachaça é a primeira bebida brasileira com forte apelo comercial e cultural que pode ser explorada em mercado global. A cachaça deixou de ser produzida apenas nos alambiques do pai daquele amigo na fazenda. Hoje existem especializações, qualificações profissionais e certificações de órgãos de classe dos produtores, atestando a grande qualidade, limpeza e seriedade da produção nacional. Agora, isto tudo posto, por que o próprio brasileiro permanece a considerar a cachaça como coisa de pinguço (palavra derivada de pinga, originada do fato de que a cachaça é uma bebida destilada que “pinga” lentamente durante o processo)?

Esse é um produto nacional e acredito que devemos começar a valorizá-lo. É preciso deixar de lado o preconceito e apreciar a cachaça de várias formas além da caipirinha. Isso sem contar o fato de que uma quantidade enorme de pessoas faz cara de nojo quando lhes oferecem caipirinha de cachaça, ao invés de “caipirinha de vodka” (para informação, isso não é caipirinha, é qualquer outra bebida, pois a receita da caipirinha é registrada mundialmente e conhecida por qualquer barman iniciante). Vamos começar a saborear a cachaça e distinguir o bom do mau produto. Quem quiser saber mais, consulte um dos endereços abaixo. Ah, e beba moderadamente!

Museu da Cachaça
Cachaça de Salinas
Wikipédia – Cachaça

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