27 setembro 2006

Um Sudestino Perdido no Rio Grande do Sul

Bem, motivado pela recente curiosidade de alguns alunos meus sobre essas diferenças culturais pelo Brasil, vou contar aqui algumas "micro-histórias" de quando vim morar em Porto Alegre e depois em Erechim. Lembro que não sou gaúcho, sou um "sudestino", refiro-me assim, com esse neologismo, pois morei, até os meus 23 anos de idade, em 4 diferentes cidades da Região Sudeste do Brasil: nasci em São Paulo, morei no Rio de Janeiro (na Ilha do Governador e em Jacarepaguá, o que significa dizer quase em cidades distintas), voltei para São Paulo, fui para Juiz de Fora e depois para Campinas (SP). Sou um sudestino.

Micro-história 1: Usando uma nova moeda.

Aniversário de Porto Alegre, festa na Redenção, há 3 semanas morando na cidade... Chega um vendedor de cerveja. Garganta seca, preciso refrescar-me. Pergunto o preço. O rapaz grita: "É dois PILA". Eu retorno "E quanto dá isso em reais?".

Micro-história 2: A voraz devoradora escravagista

Roda de amigos, uma colega acabava de voltar de Rio Grande onde morava a família dela. Parece que havia sido um ótimo final de semana, e ela contava de uma festa de aniversário de criança a qual havia ido. Ela disse: "A mesa de doces tava linda, mas nada me agradava, então fiquei ali só conversando. Na hora que chegaram os NEGRINHOS, não resisti, me atraquei e comi uns 12".
Tive um arrepio por não ter entendido nada. Ou ela era uma antropófaga com paladar selecionada para pequenos afro-descendentes; ou, POR FAVOR, aquilo era o nome de alguma iguaria... Graças a Deus, era só um inofensivo brigadeiro.

Micro-história 3: Tentando não ofender a guria

Recém-chegado, louco para conhecer as "nativas", comecei a "trovar" (xavecar, paquerar, barulhar) uma guria. Tentei ser gentil e dizer a ela "Você não é de Porto Alegre, não é? Não parece.". A minha humilde intenção era de dizer que ela não parecia com um grande número de gurias "da capital" que eu havia conhecido, muito arrogantes e metidas. Rapidamente ela disse: "Tu tá me achando com cara de COLONA?". Sem saber o que era o tal de "colona", falei que não, e expliquei rapidamente. Bem mais tarde vim a entender que, naquele contexto, "colona" seria o mesmo que "da roça", "caipira", "jeca"...

Micro-história 4: A difícil tarefa de ser professor

Primeira aula substituindo um antigo professor, no meio do semestre. Começo a conversar com a turma e tentar explicar como seria o meu método de ensino, o que iríamos usar como bibliografia, como seriam as avaliações. Pergunto se há alguma dúvida e um rapaz levanta o braço e questiona "O senhor vai usar o mesmo POLÍGRAFO do outro professor?". Colocado contra a parede por mais uma nova palavra, respondi "Rapaz, se eu soubesse o que é polígrafo, até poderia te responder, mas supondo que isso seja parte do material do outro professor, acredito que não usarei nada do material antigo. Mas o que vem a ser esse polígrafo? Você pode me mostrar?". O rapaz gentilmente mostra e eu digo "Ah, você queria dizer a APOSTILA?".

Fora essas micro-histórias, poderia citar muitas outras, é muito complicado comunicar-se também no Rio Grande do Sul. Existe um vocabulário muito específico, expressões muito particulares. Em alguns momentos chegam a ser uma nova língua. Palavras que para um gaúcho são comuns, são quase "estrangeirismos" para o restante do Brasil. Apenas para citar alguns exemplos, veja a lista abaixo:

acoar - latir (cachorro)
atacar - significa dizer que um guarda parou alguém, por exemplo numa blitz (O guarda me atacou - O quarda me parou)
auto - o mesmo que carro, automóvel (mais usado por pessoas de mais idade)
bidê - mesinha de cabeceira, criado-mudo (no resto do país, o bidê é uma das peças de louça do banheiro usada como lavatório das partes genitais e do ânus)
bolicho - casa de negócios de pequeno sortimento e de pouca importância, o mesmo que bodega.
cacetinho - pão francês, pão de sal, pãozinho
china - descendente ou mulher de índio, ou pessoa de sexo feminino que apresenta alguns dos traços característicos étnicos das mulheres indígenas. Cabloca, mulher morena. Puta. Na intimidade pode até mesmo significar a esposa querida.
chinoca - Mulher.
classe - no contexto escolar, no RS é só a mesa dos alunos, chamada em outros lugares de carteira.
cusco - Cão pequeno, cão de raça ordinária. O mesmo que guaipeca, guaipé.
guampear - trair, botar chifres ("guampa")
lâmina - no contexto acadêmico, são as transparências usadas pelo professor ou, erroneamente, slides.
pelear - batalhar, trabalhar duro por alguma coisa.
sinaleira - semáforo, farol, sinal
ximia - o mesmo que geléia (mas nunca diga isso a um gaúcho!!!)
xingar - é brigar com alguém. Qualquer tipo de reprimenda, mesmo que não tenha palavrões.

6 comentários:

Anônimo disse...

Legal o post! Respondeu bem respondidinha minha pergunta no outro post, hein?

Mas falando sério e sobre o texto, estava agora pensando em como é tudo estranho. Nós gaúchos usamos termos que, pelo menos pra mim, são muito normais. O que eu quero dizer é que termos como xingar, lâmina, polígrafo, atacar, auto e bidê eu considerava brasileiros, utilizados por qualquer pessoa no Brasil. Nunca me passou pela cabeça que fossem termos daqui.

Até que, falando nisso, dá uma vontade de conhecer outros povos e suas culturas.

E é bem bom ter lido esse texto, assim vou poder me cuidar um pouquinho nos uso dos termos quando for fazer alguma coisa no Rio de Janeiro, em novembro, como por exemplo, comprar alguma coisa e chamar o dinheiro de pila.

Gostei desse texto. Parabéns!


P. S.: Nessa frase:

ximia - o mesmo que geléia (mas nunca diga isso a um gaúcho!!!)

Por quê nunca dizer?

Anônimo disse...

Sem falar em "torrada" (misto quente), que em outras turmas a sua respectiva micro história já foi contada...

Geléia me lembra mais aqueles monstros de desenho animado (ou seja, gosma) do que comida, hehehehe

OBS: o Babilon tem um dicionario de gauchês-português

Andre Almeida disse...

Bom post!!

Primeiro gostaria de esclarecer que o correto é chimia e não ximia.
Chimia vem do alemão "Schmier".

Eu sempre soube que chimia e geléia eram diferentes mas nunca conseguia definir exatamente porque, então após ler o teu post comentei com a Schwengber ;) e ela explicou que a geléia era feito da casca e a chimia da fruta mesmo. Com mais umas pesquisas no Google feitas por nós (eu, a Ane e o Zis) chegamos a definição:

Chimia é na verdade uma espécie de doce feito com a polpa da fruta. A geléia pode ser feita somente com a casca da fruta ou peneirando-a para que fique com uma consistência mais fina e gelatinosa enquanto a Chimia é feita de forma mais artezanal com pedaços maiores da fruta com consistência mais "grossa" e com algumas partes líquidas que podem ser derivado do suco da fruta.

Neste site você pode ver que a fábrica difere entre geléia e "doce de fruta" (chimia):
http://www.ritter.com.br/institucional/doces.htm

Abraços e aproveite bem um pão com chimia e nata. ;)

Alexandro Magno dos Santos Adário disse...

Concordo com o Andre com relação ao "ch", até porque num lapso ortográfico esqueci da regrinha de que, em geral, são grafadas com "x" as palavras de origem indígena ou os radicais "gregos"; o resto, na dúvida, vai "ch".
Foi justamente pelo comentário (MUITO bem-vindo) do Andre que eu falei que com os gaúchos não se fala que chimíer é o mesmo que geléia. Eles sempre vão rebater, rebater e rebater e querer fazer a distinção. No restante do brasil, tudo que é chimíer ou geléia no RS é geléia, não tem distinção.
Segundo o Houaisss, na verdade, não temos a grafia "chimia", que vem de uso popular ainda não consolidado formalmente. Essa palavra é de uso informal. Os vocábulos aceitos formalmente (não que sejam os corretos, pois a língua culta não é necessariamente a correta) são "chimiê" e "chimíer".
A etimologia é bem clara e vem do alemão "schimiere" que também possui suas variantes, como "schimier". "Schimiere" na raiz da língua germânica significa "untar, besuntar, lubrificar". Por associação, usavam a palavra "schimier" como sinônimo para as geléias (sem distinção), pois a analogia leva a entender que elas servem para dar uma "lubrificada no pão" e fazer com que ele "desça" melhor. Isso é a etimologia.
Bom lembrar que a indústria Ritter Alimentos S.A. também é gaúcha. Nada contra, obviamente, pois moro nessa terra, sou casado com uma gaúcha e tenho muito respeito por todos, mas sendo a Ritter gaúcha, não dá pra falar também pra "ela" que "chimíer" é o mesmo que "geléia"... :-) :-) :-)
Outra briga boa com gaúcho é sobre bergamota, morgota e tangerina... Mais isso fica pra outro "causo"...

Anônimo disse...

Dae Adário, quanto tempo!!! Conheci seu blog através do link do seu orkut e achei muito bacana. Parabéns pela idéia, são textos muito interessantes. Um abraço. Fábio Dilda

Calma que estou com pressa! disse...

oi Alexandro
só sendo gaúcho para entender tudo isto -
sou gaúcha , mas fui entender o jeito que falamos quando fui morar em São Paulo - e todos me zoavam pra caramba e eu falava que não tinha sutaque - e os paulistanos falavam que eles eram o únicos que não tinham sutaque , é bem assim -
fui morar em MInas Gerais -
agora estou em salvador
mas voltando ao sul - eu falo - com espanto - é assim que eu falava ? sutaque carregado e lindo , como é lindo o sutaque dos paulsitanos e o meu preferido o dos mineirins !
e baiano aqui fala que eles não tem sutaque não - oxiii
eu sempre falo assim
viajem
fiquem um mês , 2, 3 , 1 ano fora de seu estado , quando voltarem entenderão tudo que estou falando - e eu acho lindo esta diversidade
em cada estado que vou - tenho que ter um dicionário local
e não adianta, todos nós somos bairristas , independente de onde nascemos !
super teu blog
deve ser um professor com aulas interessantes !
te achei procurando no blogger shcimia
e vim aqui
minha mãe de descedência alemã falava carregado schmíerr - e fazia em casa mesmo ! e a nata - saudades disto tudo o pinhão ...
cuca - coisas do sul
e o pão de queijo de MInas
e as pizzad e esfihas de São Paulo

Lu